Nós vivemos em uma sociedade em que a maternidade e paternidade acabam, vez por outra, aparecendo mesmo para quem não quer ter filhos. Isso acontece desde mais novos, quando brincamos sobre construir uma família, quando vemos uma criança com seu pai ou sua mãe fazendo aquilo que gostamos ou ao assistir um storie de uma amiga com seu filho. Em momentos como esses, é natural que comecemos a sonhar ou planejar um futuro, “descompromissadamente”, de certa forma. Para quem toma a maternidade e paternidade mais a sério, como um ponto crucial desse futuro, talvez esses planejamentos e sonhos aconteçam numa constância e intensidade ainda maior. Quem sabe, tais pensamentos e sentimentos acabem se tornando expectativas de um futuro que está por vir.
Então, sim, é natural ter expectativas. É um movimento que não temos controle, no entanto, precisamos conversar um pouco sobre isso, principalmente porque as expectativas muitas vezes são estradas que nos levam a sofrimentos intensos.
Quando estamos esperando um filho, ou mesmo quando já o temos aninhado em nossos braços, queremos o melhor para ele, queremos dar o melhor futuro que podemos, aliás, é comum que pais queiram dar muito mais do que o possível, justamente por que amamos aquele ser que veio ao mundo para os nossos cuidados. Queremos que nossos filhos sejam felizes, saudáveis e até torcer pelo mesmo time que o nosso, porque ninguém é de ferro. Cada desejo, cada pensamento e sentimento criado nesse futuro que tanto nos satisfazem em nossos devaneios, também pesam quando recebemos o diagnóstico do nosso filho. Na verdade, esse confronto pode começar bem antes, já ao perceber que tem alguma coisa diferente.
Na psicologia, costumamos falar que esse processo é semelhante ao de um luto. Não a do nosso filho verdadeiro, mas desse imaginário que nosso desejo e expectativas criou a imagem com tanto empenho. É possível observar a negação, a raiva, barganha, depressão. Os sentimentos são como fortes ondas que nos acertam e nos tiram de nosso eixo. Tais emoções são tão fortes, tão avassaladoras, que é comum que ela acabe sendo direcionada para culpa, alguém precisa ser culpado: por vezes escolhemos outras pessoas, porém em muitas delas, acabamos por nos culpar, como se pudessemos ter feito algo ou deixado de fazer.
É um longo e árduo caminho até chegar a aceitação, até porque o tempo entre esses estágios não é certo e depende de cada pessoa. Podemos agarrar mais tempo na negação do que na barganha, ou mesmo na depressão do que na raiva. Pode até mesmo durar anos e mais anos, após o nascimento ou mesmo do diagnóstico.
A questão é que esses processos, essas expectativas que criamos e alimentamos durante a vida de nossos filhos, servem muitas vezes como uma imensa barreira da realidade, de quem aquele bebê realmente é ou precisa. Eu me recordo de um caso em que atendi, que a mãe, mesmo depois de muitos anos do diagnóstico, ainda tinha uma expectativa tão grande sobre o desenvolvimento verbal de seu filho que acabou se tornando insensível para as diversas formas de tentar se comunicar que ele criou ou mesmo que tinha uma capacidade de compreensão maior do que ela presumia e foram precisas muitas conversas para que ela acabasse olhando um pouco mais para esse filho além das expectativas que ela colocava.
Assim, aceitar não significa deixar de sofrer ou se tornar insensível às questões do presente. Lutar contra nossos sentimentos é muito mais prejudicial do que pensamos, logo, aceitar também não é expulsar esses pensamentos e emoções para fora de si. Após todos os estágios, de toda essa atribulação emocional, aceitar diz respeito a estarmos em contato com o nosso presente, com quem nossos filhos são de verdade, mesmo que isso possa trazer ansiedade com o futuro e demais preocupações, é buscar estar livre de expectativas de quem nós queríamos que eles fossem. Aceitar é destruir essas barreiras que nos afastam de nossos temores, pois só quando estamos ciente de onde estamos é que melhor podemos pensar num futuro real.
Tudo bem precisar de ajuda neste momento, não há necessidade de sentirmos vergonha ou culpa de procurar um profissional para nos auxiliar em tais questões. Aceitar começa por entender que somos humanos e que nós também não somos perfeitos. Mas há um momento em que precisamos decidir o que queremos nutrir e fortalecer em nossa vida: se são nossas expectativas e desejos ou as relações com nossos verdadeiros filhos. A aceitação é um caminho e você não precisa estar só.
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